Lisboa vista do Arco da Rua Augusta - Daniel Rodrigues / The New York Times

Esqueça o conceito de Lisboa como a capital baratinha da Europa. Sim, os frutos do mar ainda custam (relativamente) pouco, assim como o vinho; os bondinhos amarelo-canário continuam trepidando nas ladeiras; o pastel de nata, famoso doce nacional, continua custando menos de €1, mas hoje a capital portuguesa é mais conhecida pelo cenário gastronômico badalado e pelas instituições culturais, incluindo um novo museu de classe internacional na orla. O antigo charme do Velho Mundo resiste, mas com uma onda de novidades e a inspiração vinda do outro lado do Atlântico, Lisboa está pronta para uma nova era dourada.

Sexta, 14h. Azulejos surreais ladeira acima

Para ter uma ideia mais ampla da irregularidade topográfica de Lisboa, vá ao topo de sua colina mais alta, em Graça. Comece pelo convento, cuja capela azulejada e clausura barroca foram abertas ao público recentemente, após as reformas (entrada franca); depois, saia para admirar um dos “miradouros” mais espetaculares da cidade, de onde se vê grande parte dos telhados em terracota. Na descida, dê uma espiada no Surrealejos, ateliê minúsculo que, como o nome diz, produz azulejos surreais, como a série do panda antropomórfico, em uma edição bem-humorada da versão tradicional.

17h. Retratos de um artista

Conhecer Fernando Pessoa, considerado um dos maiores poetas portugueses, não é tarefa fácil – mas esse é o objetivo do museu e centro cultural que leva seu nome, em Campo de Ourique. Situado na casa em que morou o escritor camaleônico, é um verdadeiro tesouro das obras que produziu no início do século XX, a maioria publicada depois de sua morte, incluindo os poemas compostos sob três heterônimos. É possível se engajar com a linguagem do poeta através da mostra interativa “Estou começando a me conhecer. Eu não existo.” Há também uma coleção de retratos de Pessoa – em diversos estilos, como não poderia deixar de ser – incluindo pinturas de Júlio Pomar. Entrada: € 3.

20h30m. E viva o petisco

Para saborear bons petiscos, reserve uma mesa na Peixaria da Esquina. Inaugurada em 2015 pelo prestigiado chef Vítor Sobral, esse restaurante despojado, situado em uma esquina sossegada de Campo de Ourique, serve frutos do mar crus, curados, marinados, grelhados… de todas as formas possíveis e imagináveis. Comece com um copo de Douro branco e o carpaccio finíssimo de polvo, coberto com coentro, chips de batata doce e um fio de azeite (€ 13,50); depois, arrisque-se nos pratos marinados, como o salmão cítrico com maracujá, gengibre e coentro (€ 9,60, seguido da versão superlativa de “amêijoas à Bulhão Pato”, traduzida em uma tigela fumegante do molusco temperado apenas com caldo de limão, alho e mais coentro (€ 17,50).

Rio Maravilha, terraço é novo ponto de encontro na badalada região de LX Factory, com bela vista para o Rio Tejo a Ponte 25 de Abril – Daniel Rodrigues / The New York Times

23h. Bebidas e uma bela vista

A vida noturna de Lisboa alcançou um novo patamar quando uma onda de bares de cobertura tomou conta da cidade. Situado no Terraços do Carmo, o Topo Chiado é um lounge a céu aberto que serve coquetéis em mesas com vista para o castelo e o Elevador de Santa Justa, em estilo neogótico e decorado com ferro batido. Mais opções incluem o Rio Maravilha, na LX Factory, região oeste, espaço industrial que oferece música ao vivo, dois terraços ao ar livre e esculturas altamente fotografáveis. Peça um “Porto tônico”, que nada mais é que vinho do porto branco com tônica, e suba para admirar a vista fantástica do Tejo e da Ponte 25 de Abril, gêmea da Golden Gate.

Sábado, 10h. Açúcar na veia

Entre as muitas delícias portuguesas, sem dúvida o doce mais tradicional e famoso é o pastel de nata, uma tortinha de massa farelenta e recheio de creme de ovos. Na Pastelaria Alcôa, uma confeitaria sem mesas inaugurada no ano passado em localização privilegiada, no Chiado, as fileiras da guloseima dourada ficam em exibição ao lado de outras delícias conventuais, cujas receitas centenárias se originaram nos monastérios e conventos católicos. Não deixe de provar o menos conhecido e também delicioso Torresmo do Céu, com recheio de creme de amêndoas e limão (ou laranja).

11h. À base de cortiça

Portugal abriga um terço das florestas de cortiça do mundo e, por isso, criou uma infinidade de utilidades para o material, naturais e sustentáveis. Para comprar lembrancinhas que vão além da rolha, vá à Cork & Co, onde há itens ecologicamente conscientes como cumbucas decorativas e porta-garrafas térmicos. Perto dali a Pelcor oferece modelos inovadores, como as bolsas parta tacos de golfe revestidas de cortiça e os guarda-chuvas.

13h. Ceviche soberbo

Se houver fila de espera na porta da popular A Cevicheria, inaugurada pelo chef Kiko Martins, em 2014, peça um pisco sour e espere, porque vale a pena. Dentro do restaurante revestido de azulejos brancos, um polvo de espuma gigantesco decora o teto sobre um punhado de mesas e o balcão em forma de ferradura. No cardápio, ceviches e “causas”, ou porções pequenas para compartilhar, incluindo o excelente polvo grelhado com purê de batata negra. Não saia sem provar o ceviche puro, de pescada com limão e cebola roxa, “leche” de tigre e colheradas de purê de batata doce decoradas com chips do mesmo tubérculo. Almoço para dois: € 50.

16h. Belezas de Belém

Localizado na região sudoeste, o belo bairro de Belém, às margens do Tejo, é definido por seu monumentos: o Mosteiro dos Jerônimos, em estilo manuelino, a Torre de Belém, do século XVI e, desde 2016, a fachada futurista do Maat, o Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia. Esse, aproveitando a onda de outras capitais europeias – como o Tate Modern de Londres e a Centrale Montemartini em Roma –, reutiliza uma antiga central elétrica, acrescentando-lhe um recém-construído salão de exibições, todo em branco, para mostras especiais. Visite ambos para conferir instalações contemporâneas, exibições científicas interativas e sessões de vídeo em meio ao maquinário antigo e bem preservado da usina (entrada: € 9).

21h. Refeição na taberna

Situada em uma antiga mercearia, a Taberna da Rua das Flores tem o clima das versões clássicas do estabelecimento, com piso de lajotas, cadeiras de madeira e mesas com tampo de mármores – a diferença fica por conta dos pratos locávoros e inovadores. O cardápio diário, escrito em uma lousa imensa e explicado pacientemente pelos garçons, inclui ostras temperadas com wasabi, tartare de cavala com alga e camarão seco e uma pilha saborosa de batata em tiras e cogumelo do cardo. Para acompanhar, vá de tinto do Tejo e queijo de leite de cabra de sobremesa. O jantar para duas pessoas fica em € 50 (só aceita dinheiro).

23h. Noites principescas

Depois do jantar, dê um pulo no Pub Lisboeta, na badalada região de Príncipe Real. O bar, estreito, mas aconchegante, foi inaugurado há alguns anos com mesas lotadas, um balcão de azulejos verde-esmeralda e uma grande variedade de cervejas artesanais nacionais – prove a Kölsch, da Oitava Colina. Prefere algo mais forte? Siga pela mesma rua até chegar ao Gin Lovers, um bar elegante, escondido nos fundos de um palacete do século XIX transformado em centro comercial. No cardápio, mais de 50 variações do clássico gim-tônica, servido à espanhola, em copos bojudos. Se a escolha parece impossível, aposte na versão da casa, pura, com guarnição de laranja e cravo.

Bondinhos na Praça do Comércio, em Lisboa – Daniel Rodrigues / The New York Times

Domingo, 11h. Nação cafeína

Em Portugal, assim como na Itália, café é sinônimo de espresso. Se quiser uma variedade mais ampla, comece o dia na Fábrica Coffee Roasters. Inaugurada em 2015, essa fornecedora de grãos especiais tem dois cafés que servem versões tradicionais e opções como o cold brew (passado a frio), o filtrado e o capuccino caprichado na espuma. Na filial espaçosa do Chiado, peça um café com leite, acomode-se a uma das mesas entre as plantas, esqueça o telefone (não há Wi-Fi) e aprecie o momento.

13h. Casa Carioca

Em uma demonstração impressionante de colonização reversa, o Brasil tomou conta de uma mansão magnífica em Príncipe Real: inaugurada em abril de 2017, a Casa Pau-Brasil é uma loja conceitual/showroom para marcas, estilistas e designers brasileiros, oferecendo moda, acessórios para a casa, artigos de papelaria, sabonetes e muito mais. Subindo a escadaria elegante, decorada por um bando de papagaios amarelos, é possível explorar um labirinto de salas que recentemente receberam as roupas de banho descoladas de Lenny Niemeyer, os chapéus Panamá com fita laranja da Frescobol Carioca, as barras de chocolate Q e as belas cadeiras de madeira polida de Sérgio Rodrigues.

15h30m. Quiosque Time

Em 2009, surgiu a iniciativa de resgatar os muitos “quiosques de refresco” espalhados pela cidade, abandonados, que hoje são sucesso absoluto. Em arquitetura art nouveau e localização primorosa em praças, parques e mirantes por toda a cidade, eles se tornaram pontos de encontro naturais do raiar ao pôr do sol. Faça como os nativos e arrisque-se com um “ginja”, licor tradicional de cereja ácida a uma das mesas roxas da Praça das Flores, um parque minúsculo e arborizado, com direito a chafariz central que, de quebra, cumpre a função de bebedouro para os gatos da região. Se o tempo não ajudar, esconda-se na Cerveteca Lisboa, bar tranquilo do outro lado da rua que serve cervejas raras de rótulos nacionais como Dois Corvos e Passarola Brewing.

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